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Convivendo com o Barulho em Condomínios: a busca da “sintonia” equilibrada

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A vida em condomínio pode ser uma experiência enriquecedora ao proporcionar segurança, conforto e convivência em comunidade.

No entanto, um dos desafios mais comuns enfrentados pelos síndicos e moradores é o barulho proveniente das unidades vizinhas. Podemos citar os casos mais comuns de barulho no condomínio:

  • Ruídos de Impacto: Barulhos causados por arrastar móveis, saltos altos, quedas de objetos pesados e movimentação intensa em pisos de apartamentos ou áreas comuns.
  • Atividades Domésticas: Ruídos provenientes de aspiradores de pó, liquidificadores, máquinas de lavar roupa, secadoras, entre outros eletrodomésticos utilizados nas unidades.
  • Festas e Eventos: Barulhos excessivos decorrentes de festas, reuniões, eventos sociais ou música alta em horários inadequados.
  • Obras e Reformas: Ruídos gerados por obras e reformas nas unidades, incluindo perfurações de paredes, quebra de pisos, uso de ferramentas elétricas e outros trabalhos que possam produzir ruídos intensos.
  • Pets: Latidos constantes de cachorros, miados persistentes de gatos ou quaisquer outros ruídos causados por animais de estimação que perturbem os vizinhos.

Ao discutir esse tipo de problema, que pode estar relacionado aos direitos de vizinhança, é essencial abordar a situação com cautela e sensibilidade. Cada caso deve ser, cuidadosamente, analisado de forma individual, uma vez que uns envolvem questões relacionadas ao direito de vizinhança, enquanto outros requerem a intervenção do condomínio porque podem estar envolvendo até mesmo interesse público, como maus-tratos a pets, violência doméstica.

Diversos problemas relacionados à acústica podem estar ligados a defeitos técnicos de construção, que envolvem diretamente o condomínio, não se tratando, necessariamente, de uma questão de perturbação do sossego do vizinho.

Se o barulho estiver sendo gerado por atividades ou comportamentos isolados dos vizinhos que não afetem a coletividade condominial, a melhor abordagem é que os próprios envolvidos busquem resolver o conflito de forma direta e amigável. A comunicação aberta e o respeito mútuo são fundamentais para encontrar uma solução satisfatória para ambas as partes.

Nesse contexto, o condomínio não tem a obrigação de intervir, uma vez que o barulho não é causado por questões estruturais; problemas relacionados às áreas de uso coletivo; ou que interfiram na coletividade. O condomínio pode, nestes casos, por intermédio do síndico, com o auxílio do conselho, orientar os moradores a seguirem as normas de convivência estabelecidas, como um facilitador do diálogo entre os envolvidos, mas a solução final dependerá da vontade e compreensão das partes.

Direitos de Vizinhança:

Nessa linha de raciocínio, a nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXII, prevê como uma das garantias constitucionais, o direito de propriedade e a função social que a limita. Embora, seja um direito fundamental, o direito de propriedade é regulado e limitado por lei.

O direito de vizinhança, ramo do direito civil, estabelece normas e regras para a convivência harmoniosa entre pessoas que se encontram em propriedades vizinhas, sejam elas residenciais ou comerciais. Nos termos do artigo 1.277, do Código Civil, “O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.”

Este direito tem como objetivo garantir que os moradores possam usufruir de seus imóveis de maneira tranquila, privativa, sem sofrer interferências indevidas ou prejudiciais por parte dos demais vizinhos. É fundamental que cada morador respeite o espaço e o sossego do outro, evitando causar perturbações excessivas.

De fato, existem moradores mais sensíveis ao barulho devido a questões de saúde. Por outro lado, há o vizinho intolerante, que não tolera qualquer tipo de ruído, mesmo que seja inevitável ou de baixa intensidade.

Nesses casos, é importante buscar o diálogo e tentar encontrar soluções que atendam às necessidades dos envolvidos: medidas como o isolamento acústico da unidade, horários específicos para atividades mais barulhentas ou o uso de tapetes antirruído podem ajudar a minimizar os impactos sonoros.

Problemas Técnicos de Propagação do Ruído:

Em muitos casos, o barulho está relacionado a questões técnicas de propagação do ruído. Problemas de acústica nas unidades podem resultar em maior facilidade a transmissão dos sons, especialmente em relação aos ruídos de impacto, como arrastar móveis, saltos altos e queda de objetos pesados. Nessas hipóteses, é importante buscar a orientação de profissionais especializados em acústica para identificar as causas e propor soluções, como a instalação de materiais isolantes acústicos nas lajes e paredes.

Problemas de Construção e Propagação do Ruído nas Lajes:

Outro fator relevante é a qualidade da construção do prédio. Lajes mal projetadas ou com materiais inadequados podem facilitar a propagação do ruído entre as unidades, tornando mais difícil controlar os impactos sonoros. Nesses casos, é necessário avaliar as opções de intervenção estrutural para minimizar a transmissão do ruído, como a realização de reformas para aprimorar o isolamento acústico das lajes.

Um dos casos mais comuns é aquele do vizinho do andar de baixo que reclama de qualquer barulho vindo do vizinho do andar de cima. O diálogo pode ajudar a esclarecer mal-entendidos, encontrar medidas de mitigação do ruído e promover um ambiente de compreensão mútua.

Em relação aos problemas técnicos de propagação do ruído e à acústica, é fundamental buscar orientação profissional especializada. Engenheiros acústicos podem realizar análises e propor soluções eficientes para minimizar a transmissão de ruídos indesejados entre as unidades. Investir em isolamento acústico adequado e em materiais isolantes de qualidade pode ser uma solução eficaz para reduzir o impacto do barulho no condomínio. Alguns condomínios já estão adotando essa medida nos salões de festas e academias.

No que diz respeito aos problemas de construção que facilitam a propagação do ruído nas lajes, é fundamental que o condomínio esteja atento às normas e regulamentações técnicas relacionadas ao isolamento acústico na construção e na manutenção das unidades.

A realização de reformas estruturais, quando necessário, talvez seja uma medida efetiva para reduzir a propagação do ruído, lembrando ainda, que este pode ser um defeito da própria construção, e que medidas extrajudiciais ou judiciais podem ser tomadas para tentar a restituição dos danos junto à construtora.

Além disso, a convenção condominial e regimento interno também desempenham um papel fundamental na regulação do barulho em condomínios.

Os regulamentos internos precisam estabelecer regras específicas quanto aos horários permitidos para atividades barulhentas (por exemplo: as obras nas unidades), a fim de garantir a paz e o sossego dos condôminos. Porém, cada condomínio possui uma peculiaridade e necessidades específicas, sendo essencial que essas regras sejam equilibradas e razoáveis.

Importante lembrar, que a participação ativa dos condôminos nessas discussões contribui para a tomada de decisões coletivas que beneficiem todos.

Cuidados na identificação da origem do barulho:

No caso de reclamações de barulho provenientes de uma unidade específica, o síndico deve agir com cautela ao notificar, advertir ou multar o condômino em questão.

É fundamental que hajam evidências concretas que comprovem que o barulho é verdadeiramente causado pela unidade acusada, e que o problema esteja refletindo na comunidade condominial como um todo. Tomar medidas punitivas sem a devida comprovação pode gerar injustiças e conflitos desnecessários entre os moradores, e entre o condômino e o próprio condomínio.

O síndico precisa conduzir uma investigação detalhada, buscando obter provas do barulho excessivo e identificar a origem precisa do problema. Isso pode envolver a coleta de depoimentos de testemunhas, a realização de registros audiovisuais ou o uso de equipamentos de medição de ruído para embasar a decisão.

Decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina envolvendo latidos de cachorro é uma leitura interessante, onde o reclamante sustenta sua queixa na raça do pet (o que não é possível), mas a desavença já era antiga entre moradores:

Apelação Cível. Ação Cominatória. Demanda ajuizada pleiteando a retirada de cão pit bull de condomínio residencial. Alegação de excesso de barulho que perturba o sossego dos demais moradores, além de sensação de insegurança que a presença do animal acarreta. Julgamento de Procedência. Alegado cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado. Inexistência. Prova colacionada ao feito suficiente para seu julgamento. Permissão do regimento interno para animais de pequeno porte. Omissão da legislação interna no tocante a exclusividade desta permissão. Notificação defeituosa e sem lastro de prova de qualquer reclamação de condômino. Prova de existência de outros animais de médio porte no local. Declaração subscrita por dezoito moradores além de zelador e vigia comprovando a inexistência de ruídos perturbadores do sossego alheio. Atestado de médico veterinário dando conta da perfeita saúde e ausência de reação de agressividade. Fotografias e cd comprovando tratar-se de animal dócil e que não oferece perigo. Impossibilidade de rotular o animal de ‘perigoso’ exclusivamente pela sua raça. Indícios que a origem da demanda é por desavenças anteriores do apelante e integrante do conselho consultivo do condomínio. Precedentes Jurisprudenciais. Assim, ausente qualquer perturbação ao sossego, salubridade ou segurança dos demais condôminos o provimento da apelação é medida que se impõe com o julgamento de improcedência da ação e inversão do ônus sucumbencial. Litigância de má-fé. Não ocorrência. Multa afastada. Recurso conhecido e provido. (TJSC, Apelação Cível n. 2009.008986-9, da Capital, Rel. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 15-03-2012). grifo meu

Por outro lado, em casos de barulho proveniente de áreas comuns do condomínio, como salões de festas, áreas de lazer ou espaços compartilhados, a responsabilidade pela manutenção do silêncio recai sobre o próprio condomínio. Nesses casos, o síndico deve adotar medidas adequadas para garantir que as atividades e eventos nessas áreas estejam em conformidade com as normas condominiais.

Alguns condomínios vêm adotando reformas dos salões de festas e academias visando soluções para o isolamento acústico. Nesse sentido, segue jurisprudência do TJSC:

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO -INVOCAÇÃO DE MATÉRIAS E DADOS NÃO DISCUTIDOS NA DECISÃO AGRAVADA – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – NÃO CONHECIMENTO

“Em sede de agravo de instrumento cabe ao juízo ad quem apenas a análise acerca do acerto ou desacerto da decisão guerreada, sendo vedada a apreciação da matéria ainda não discutida no juízo de primeiro grau, sob pena de suprimir-se grau de jurisdição” (AI n. 2004.037121-7, Des. Monteiro Rocha). A apresentação de razões de reforma divorciadas do conteúdo do decisum objurgado impedem o conhecimento do recurso, sob pena de afronta ao duplo grau de jurisdição.

TUTELA DE URGÊNCIA – CONDOMÍNIO RESIDENCIAL – ACADEMIA EM ESPAÇO COMUM – PROBLEMAS ACÚSTICOS – LIMITAÇÃO DE HORÁRIO DE USO ATÉ O ISOLAMENTO DEVIDO – REQUISITOS AUTORIZADORES (CPC, ART. 300) – PRESENÇA – MANUTENÇÃO DO DECISUM

Presentes a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, deve ser mantida a tutela de urgência que determinou que o condomínio residencial limite o horário de utilização da academia até a solução do isolamento acústico devido no espaço comum.

AGRAVO INTERNO – DECISÃO QUE INDEFERIU EFEITO SUSPENSIVO – JULGAMENTO DO CORRESPONDENTE AGRAVO DE INSTRUMENTO – PERDA DO OBJETO

O julgamento do agravo de instrumento, no qual se pretendia cassar a decisão que indeferiu pedido de concessão de efeito suspensivo pela via do agravo interno, implica a extinção deste último reclamo pela perda do objeto.

(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5003908-34.2023.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 06-06-2023). grifo meu

Ao lidar com reclamações de barulho, o síndico desempenha um papel crucial na tentativa de resolução dos conflitos. É fundamental estimular um ambiente de diálogo entre os condôminos envolvidos, visando uma solução pacífica e equilibrada para o problema. O condomínio, por sua vez, pode contar com o auxílio de um departamento jurídico especializado para garantir uma análise precisa e justa das questões.

Portanto, é imprescindível que o síndico seja criterioso ao lidar com questões relacionadas ao barulho nas unidades. A análise cuidadosa das evidências, o respeito aos direitos de todos os envolvidos e a busca por soluções justas são essenciais para promover uma convivência harmoniosa.

Conviver com o barulho em condomínios é um desafio que requer compreensão, diálogo e busca por soluções amigáveis entre os moradores. Para enfrentar questões de barulho em condomínios, é necessário um esforço coletivo, pautado na boa comunicação, compreensão mútua e decisões imparciais.

       No compasso da convivência, a harmonia prevalece quando o respeito é a nota dominante!

       Por Sabrina Sayeg – Advogada

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