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O crime de perseguição contumaz (“stalking”) aplicado aos condomínios edilícios

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Foto: Banco de Imagens

Tendo por objetivo proteger a liberdade individual, a qual, sobretudo em tempos mais recentes, tem sido agredida de forma reiterada, não somente por meio de atos físicos e presenciais, como também por meio do ambiente virtual, houve o legislador pátrio, por meio da edição da Lei n° 14.132/21, insculpir o art. 147-A, no bojo do Código Penal Brasileiro, passando a denominar a nova infração penal com o nomem juris de “crime de perseguição”.

Essa inovação legislativa em nossa ordem jurídica segue uma tendência globalizante, iniciada na Dinamarca no ano de 1930, mais acentuada nos anos 90 na Califórnia, passando pelo Reino Unido (1997), Bélgica (1998), Holanda (2000), Alemanha (2001), Itália (2009), Áustria (2006), Portugal (2015) e finalmente o Brasil (2021).

O acoplamento deste novo crime ao ordenamento jurídico penal brasileiro deve ser compreendido como um desdobramento de uma dinâmica associada à criminalidade digital, que decorre por sua vez da revolução tecnológica que conforma a sociedade da informação, na qual outros delitos recentes se somam, como é o caso do crime de invasão de dispositivo informático (art. 154-A CP, mais conhecido como “Lei Carolina Dieckmann”), assim como o crime de registro não autorizado da intimidade sexual
(art. 216-B CP), dentre outros delitos conexos.

De acordo com a nova descrição típica, passa a ser crime, punido com pena dereclusão, de 6 meses a 2 anos e multa, a conduta de perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade; por perseguir, deve-se entender não somente o ato de acompanhar determinada pessoa de forma intensa, como ainda no sentido de incomodar, transtornar, importunar, também ainda com o emprego de violência ou ameaça.

No âmbito da realidade condominial, não raro se vislumbram comportamentos antissociais altamente reprováveis, caracterizados por uma permanente perseguição e que, doravante, passam a receber uma reprimenda da lei penal muito mais forte e substantiva. É o caso, observado no âmbito dos funcionários do condomínio, onde estes passam a ser perseguidos reiteradamente pelo síndico, seja para buscar a sua demissão seja para lhe embaraçar a obtenção de um novo posto de trabalho, evento que recebe a classificação de “stalking ocupacional”.

Também se apresenta como exemplo, o comportamento do morador que, de forma intensificada e frequente, passa a perseguir o síndico, o zelador ou o conselheiro, tanto por meio de mensagens de celular, como por telefonemas, como ainda por meio de envio de e-mails, com isso passando a ameaçá-los em sua integridade física ou psicológica, restringindo-lhes a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando suas esferas de liberdade ou privacidade.

O grande desafio dos condomínios será o de diferenciar o legítimo direito dos condôminos de cobrar do síndico a prestação de contas, a qual pode ser requerida a qualquer tempo, e não somente na assembleia geral ordinária, verdadeiro “exercício regular de direito” de pedir esclarecimentos e até mesmo o de tecer críticas ou sugestões à gestão, com o comportamento persecutório excessivo e reiterado, caracterizado por um verdadeiro assédio (ou “acosso”, como denomina a doutrina italiana), sendo que somente nesta última hipótese haverá de ser configurado o crime.  

Ademais, é muito importante que os síndicos, caso se sintam vítimas desse tipo de conduta ilícita, estejam munidos de provas muito robustas e consistentes, aptas a comprovar a prática da real perseguição, haja vista que o manuseio indevido dessa nova ferramenta, poderá colocar o gestor condominial em uma posição para lá de desconfortável, uma vez que, inexistentes tais elementos de prova, este poderá acabar respondendo pelo crime de calúnia ou pelo delito de denunciação caluniosa, a depender da forma como tenha procedido.

Há que ser ainda considerado o fato de que o advento deste novo crime não revoga o dever do síndico de atender à coletividade, uma vez mantido pela ordem jurídica o dever de prestar contas aos condôminos sempre que requerido, o que haverá de demandar um posicionamento mais inovador e estratégico no que se refere à gestão da comunicação, tanto para que esta possa ser mais eficiente, valendo-se de sistemas e de programas informatizados especializados para esse fim, tanto para evitar que este mesmo gestor condominial venha a ingressar num clima de paranoia informacional, efeito que poderá causar danos sérios a sua saúde além de possível precariedade na prestação de serviços.

Importante consignar que para que tal crime possa ser efetivamente materializado, se torna necessário identificar a presença de 2 requisitos essenciais, a saber: conduta dolosa e comportamento habitual ou reiterado, no sentido de perseguir determinada pessoa. Apena será aumentada de metade caso o crime venha a ser cometido contra criança, adolescente ou idoso, contra mulher por razões da condição de sexo feminino, mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

Curiosamente, conquanto a perseguição contumaz, mais conhecida no âmbito da internet como “stalking”, passa a ser crime, outras condutas associadas, como a prática de “doxing”, ou seja, a obtenção de dados privados de uma pessoa para torná-los públicos na web, pode ou não se apresentar como infração penal; com efeito, caso essa obtenção venha a ser cometida por meios ilegais, como o “hacking”, estaremos diante de um crime cibernético; de outro lado, caso essa mesma obtenção se verifique mediante buscas em bancos de dados abertos da web, não se há como aplicar a lei penal, visto que tal conduta se apresenta como atípica, valendo dizer, ainda não foi criminalizada pelo legislador pátrio. 

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