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Assembleia Condominial por meio virtual após a revogação da Lei n° 14.010 de 10 de junho de 2020

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O advento da pandemia do novo coronavírus, além das inúmeras e restrições impostas a pessoas físicas e jurídicas, importou na necessidade da edição de leis civis, trabalhistas e tributárias de perfil emergencial, todas buscando mitigar os efeitos por demais deletérios causados na economia e nas relações negociais, muitas destas leis normas, de caráter temporário, uma vez que as autoridades médicas indicavam a possível transitoriedade da doença e de seus efeitos consequenciais.

Foto: banco de imagens

Assim é que no bojo desse movimento legislativo de urgência, houve o Congresso Nacional editar a Lei n° 14.010/2020, com o objetivo de criar o “Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19)”.

Referida lei, trazia em seu artigo 12, a previsão expressa quanto a possibilidade da realização de assembleia condominial por meio virtual, fixando como prazo limite a data de 30 de outubro de 2020; o mesmo texto afirmava que, não sendo possível a realização de assembleia condominial nos moldes virtuais, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficariam prorrogados até 30 de outubro daquele mesmo ano.

Assim é que o advento do denominado RJET causou uma verdadeira revolução na gestão condominial de todo o país, uma vez que milhares de condomínios que tinham a necessidade de realizar uma assembleia, seja para proceder à prestação de contas, seja para eleger um novo síndico, passaram a se valer, alguns deles, pela primeira vez, das ditas assembleias por meio virtual, tudo para o fim de atender às exigências absolutamente indispensáveis de conformidade legal.

Contudo, vencido o prazo de vigência da lei, e consubstanciada a sua revogação, questiona-se se poderiam os síndicos continuar se utilizando do instrumento das assembleias por meio virtual.

A resposta não pode ser outra que não a positiva. Sim, os síndicos podem continuar realizando assembleias por meio virtual, e há razões de sobra para que se possa afirmar dessa possibilidade sem qualquer dúvida para além do razoável.

A primeira razão autorizadora, pode ser localizada nas lições elementares da Teoria do Direito, segundo as quais, e em conformidade com o disposto no art. 104 do Código Civil Brasileiro, a validade do negócio jurídico requer “agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei”. A falta ou o defeito de qualquer desses requisitos, como sabemos, acarreta a invalidade do negócio jurídico.

Tem-se assim que a assembleia de condomínio, como típico ato jurídico que é, precisa ser conduzida por pessoas capazes, sua pauta deve versar sobre temas conforme o direito, mas sua forma, e aqui chegamos ao que nos interessa, precisa seguir o que a lei dispõe e, nada dispondo a lei sob sua forma de apresentação, bastará que não esteja em contrariedade com o comando legal.

Isso porque, a forma da realização das assembleias (presencial ou por meio virtual) não foi prevista na lei de regência, no que devemos entender que o legislador deixou a sua escolha, desde sempre, para os seus operadores, dentro de critérios de conveniência e de oportunidade.

Trata-se, portanto, de claro e evidente desdobramento do princípio constitucional da legalidade, segundo o qual,  “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5°, II, CF), de forma que, não dispondo a lei sobre a forma como deva ser feita a assembleia de condomínio, a única conclusão possível é a de que não entendeu por bem o legislador descer a tal nível de detalhamento, deixando a escolha da melhor forma de conduzir os colegiados assembleares para as próprias coletividades condominiais.

Verifica-se ainda, de forma cristalina, um patente prestígio do princípio da autonomia da vontade, marca e característica imanente e indelével do Direito Privado, segundo o qual, a vontade dos condôminos é que deve ser respeitada, uma vez que intenção coletiva é o núcleo, a fonte e a legitimação da relação jurídica, e não a forma, uma vez que a lei deixou, propositalmente, de a prever.

Nesse sentido, pergunta-se: se as assembleias por meio virtuais eram possíveis e passíveis de serem realizadas mesmo antes do advento do RJET, qual a razão do legislador em disciplinar, no tempo, inclusive, a efetivação das assembleias por meio virtual?

Ao menos 3 (três) razões parecem justificar a iniciativa legislativa de emergência. A primeira delas reside no fato de que compete ao Poder Legislativo, não somente disciplinar situações jurídicas, como igualmente, à guisa de um propósito educacional, incentivar a adoção de mecanismos adequados para determinadas situações de excepcionalidade, ao mesmo tempo preservando a saúde dos cidadãos, no que as assembleias por meio virtual cumprem esse papel de forma adequada e inteligente, permitindo a formalização de assembleias e ao mesmo tempo protegendo a vida e a integridade física dos condôminos; a segunda reside no fato de que algumas convenções de condomínio, ainda que raras, é verdade, vedavam expressamente a realização de assembleias por meio virtual, sendo que, neste caso, a lei que criou o RJET passa, nessa única hipótese, a ter aplicabilidade restrita e temporária, uma vez que vencido o prazo de sua vigência, retorna à tona e com toda a sua força normativa, o comando da norma contida na convenção condominial.

Já a terceira razão, mais de cunho histórico, deflui da tradicional opção do legislador brasileiro pelo minucioso detalhamento normativo, dada a influência da Escola Romanista, opção esta que, a pretexto de tentar elucidar matérias e fatos, acaba, muitas das vezes, gerando mais e maiores dúvidas de interpretação e, por via de consequência, incerteza na aplicação das regras legais.

Em resumo, temos a dizer que, tanto antes, como durante, como depois da vigência da Lei n° 14.010/2020, encontram-se os síndicos autorizados a realizar assembleias por meio virtual, só havendo impossibilidade de sua realização caso a convenção condominial expressamente proíba a sua efetivação de forma remota.

Ademais, entende-se que a realização das assembleias por meio virtual, mesmo vencidas as preocupantes motivações que giram no entorno da pandemia, ou seja, posteriormente, quando voltarmos à tão esperada e acalentada normalidade, deverão ser enaltecidas, incentivadas e estimuladas, tanto porque seguem os rumos da civilização que apontam para uma nova sociedade, cunhada nas bases de uma revolução tecnológica que veio para ficar, vedado o retrocesso arcaico, seja para o fim de permitir maior participação aos condôminos, seja para o fito de prover maior segurança das informações e, porque não dizer, do próprio negócio jurídico denominado “assembleia condominial”.

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