O legítimo direito do condômino de reclamar da precariedade e da irregularidade da gestão condominial
Em conformidade com o disposto no art. 1348, inciso V do Código Civil, compete ao síndico “diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores”.
Esse ato de gestão, perfilado sob a rubrica dos verbos “diligenciar, guardar e zelar”, se descortina como um dos muitos deveres que se apresentam dentro do rol de competências do síndico, o que impõe deva ser cumprido com presteza, qualidade e eficiência.
Por óbvio que para o cumprimento das multitarefas que fazem parte de seu conjunto de atribuições, o síndico costuma se valer de funcionários próprios ou de profissionais e empresas terceirizadas para realizar as atividades de guarda, manutenção e zeladoria.
E no âmbito dessa ampla prestação de serviços, não raro a qualidade da entrega se posiciona abaixo do esperado, frustrando a expectativa dos mais importantes destinatários dos serviços contratados: os condôminos e os demais moradores.
Assim e, conquanto se saiba que o contratante dos serviços seja o condomínio, por óbvio que os usuários dos mesmos haverão de ser os proprietários e possuidores, no que se apresentam como partes legítimas para reclamar da qualidade e da eficiência dos serviços, desde que não o façam de forma abusiva.
Essas reclamações podem ser formuladas a qualquer tempo, seja por meio de registro no livro de ocorrências (físico ou virtual), por meio de e-mails ou de mensagens aos gestores condominiais, bem como no âmbito da assembleia, espaço democrático da convivência coletiva, ambiente apto às discussões dos assuntos de interesse comum que possam repercutir na qualidade de vida e na valorização do patrimônio dos condôminos.
Temos assim que o direito dos condôminos de reclamar da precariedade ou da irregularidade da gestão condominial deve ser compreendido como um exercício regular de direito, que deve ser mantido dentro de parâmetros de razoabilidade, não sendo de admitido o abuso no seu exercício.
Com isso estamos a dizer que a reclamação e o acompanhamento da qualidade da prestação dos serviços deve ser incentivada e até mesmo estimulada, uma vez que a existência de um grupo maior de fiscalização, ainda que informal, costuma ter como resultado uma maior preocupação das empresas prestadoras de serviço com o aperfeiçoamento de seus processos, com o treinamento de seus colaboradores e com a cobrança da eficiência na entrega dos produtos ou serviços contratados.
Com isso não se está a inibir ou elidir o papel dos gestores condominiais, especialmente os que se prendem às funções do síndico e do conselho fiscal, aqueles que tem na fiscalização e no monitoramento dos serviços o seu verdadeiro múnus, a atribuição inerente aos seus cargos, ao contrário, o que se busca é ampliar o alcance, aumentar o engajamento dos condôminos na vida condominial, a partir de um sistema mais participativo e de perfil mais colaborativo.
Ademais, a tese que defendemos, qual seja, a de que os condôminos e demais moradores possuem o legítimo direito de reclamar da precariedade ou da irregularidade da gestão condominial, já foi inclusive albergado pelo repertório jurisprudencial pátrio, classificado como “exercício regular de direito”, como se verifica nessa decisão proferida no Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“A justa causa é o lastro probatório mínimo exigido para deflagração da ação penal. As publicações do denominado “Jornal da Associação dos Condôminos de Centro Empresarial Brasília”, se atribuídas aos Querelados, não trazem expressões em si difamatórias, nem contra o condomínio, nem contra a sua administração, por uma questão peculiar: os Querelados são condôminos e, portanto, possuem direito de se insurgir contra uma administração com a qual não concordem. Assim como a administração goza do direito de enviar aos condôminos propaganda para enaltecer sua gestão, condôminos insatisfeitos gozam da liberdade de expressar seu descontentamento e se manifestar, chamando atenção dos demais condôminos, desde que minimamente embasado. Trata-se de exercício regular do direito (art. 23, III, do CPB), excludente de ilicitude penal”.
Ministro Nefi Cordeiro Relator. Documento: 45498630 Despacho / Decisão – DJe: 24/04/2015.