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A força normativa do princípio da finalidade e a locação de apartamentos por aplicativos via plataformas digitais (Airbnb) em condomínios.

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Uma leitura perfunctória e apressada da mais recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito da possibilidade de vedação da oferta de imóveis para aluguel por meio de plataformas digitais como o Airbnb, pode facilmente nos induzir a erro de compreensão do tema.

Isso porque o entendimento de uma das mais altas cortes de justiça do país, a respeito da decisão favorável à proibição da locação por aplicativos, não possui caráter vinculante, ou seja, não é obrigatória para os demais juízos de primeira e de segunda instância no Brasil, até porque houve se debruçar sobre uma demanda específica e somente a ela se aplica, gerando efeitos diretos.

Há ainda de ser observado o relevante posicionamento do relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, que se manifestou expressamente pela inviabilidade de limitação das atividades de locação pelo condomínio residencial, tanto pelo fato de que o sistema de locação via Airbnb e outras plataformas análogas não estariam abrangidas na definição de hospedagem, tanto porque, sua associação se faria mais ajustada ao conceito de locação residencial por curta temporada.

No mesmo voto, o ministro relator asseverou que tais espécies de locação não tinham como ser compreendidas com a qualidade de atividade comercial passível de vedação pelas normas condominiais, sendo que, a se defender o contrário, seria o caso de se reconhecer patente vilipêndio ao direito fundamental de propriedade.

Parece-nos correta a análise do ministro relator, visto que as disposições da Lei n° 11.771, de 17 de setembro de 2008, que disciplinam a Política Nacional de Turismo no Brasil, estabelecem o modal de hospedagem turística, determinando para essa espécie contratual a prestação de serviços multivariados, como limpeza, arrumação, segurança das estruturas de recepção e alojamento voltado para o turismo, vedando o uso desses mesmos espaços para finalidade residencial.

Não suficientes os argumentos esposados pelo relator, há ainda os aspectos relacionados à autonomia da vontade, que regem os direitos de fruição do proprietário, dentre os quais se inclui, por certo, o direito de alugar o imóvel, além do fato de que, mercê do advento da revolução tecnológica, própria dos nossos tempos, que tem permitido adotar formas inovadoras de locação de unidades, não somente pelo sistema airbnb, como ainda por outras plataformas semelhantes, não se olvida os impactos de ordem econômica, visto que, em tempos de normalidade, calcula-se um movimento da ordem de 7 bilhões de reais por ano, renda esta que tem sido auferida por titulares de domínio ou de posse, de forma lícita, na mesma medida em que tais valores vem sendo compartilhados com as empresas dirigentes das plataformas digitais de locação de casas e apartamentos.

No entanto, a decisão majoritária da 4ª Turma do STJ apontou para a possibilidade de, no âmbito da convenção do condomínio, se passar a proibir, expressamente, locações esporádicas e de curta duração.
Deve ser enfatizado que o que fora objeto naquele processo judicial foi uma situação específica e particular, onde as locações de determinadas unidades vinham se convolando em causa apta a gerar alta rotatividade de hóspedes estranhos ao edifício, que recebiam cópia de chaves do acesso de entrada ao condomínio, gerando estado de preocupação e de forte sensação de insegurança pelos demais condôminos e moradores.

Foi determinante para essa decisão colegiada o voto do ministro Raul Araújo, que divergiu da relatoria, dirigindo o seu entendimento para o afastamento da característica residencial do imóvel, reconhecendo de forma singular a força normativa do princípio da finalidade, segundo o qual, no caso em espécie, o fim residencial não se encontra alinhado à transitoriedade e eventualidade, características marcantes e imanentes das locações por aplicativos, constituindo-se, no caso em exame, evidente hipótese de desvio de finalidade.

Reconheceu-se, adicionalmente, a força normativa da convenção de condomínio, visto que as normas convencionais previam expressamente que o uso das unidades deveria ser estritamente residencial, o que obrigaria, por lógico e imanente consectário, que os condôminos deveriam conferir às suas unidades autônomas uma única e exclusiva destinação: a de caráter residencial.

Por óbvio que tal decisão, conquanto possa servir de precedente para futuros julgamentos sobre o mesmo tema, não gera dever de acatamento aos seus preceitos, mas soa paradigmática, na medida em que reforça a importância da convenção de condomínio, como norma resultante da vontade geral dos condôminos e do princípio da finalidade, segundo o qual, devem todos, condôminos e gestores, observar, com exatidão e critério, o fim a que se destinam os condomínios, sob pena de desvirtuarem o seu escopo e objetivo precípuo, demandando possibilidade de correção de rumos pelo Poder Judiciário.

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