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Os efeitos revogatórios do Código Civil Brasileiro em face do Estatuto dos Condomínios

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Foto: Banco de Imagens

O advento do Código Civil Brasileiro de 2002, cuja elaboração teve como coordenador a pessoa do ilustre Professor Miguel Reale, implicou, após decorrido o período de sua vacatio legis, em gerar um estrondoso impacto em  toda a legislação nacional incidente sobre condomínios, uma vez que, diversamente do seu antecessor, o Código Civil de 2016, confiado ao notável civilista Clóvis Beviláqua, passou o novo código a disciplinar de forma detalhada diversos institutos do direito condominial, não tardando a eclodir questionamentos se a novel legislação teria adentrado ao ordenamento jurídico com a força revogadora própria das leis de grande alcance, com isso subtraindo da ordem jurídica o inteiro teor das disposições normativas da memorável Lei n° 4591/64, a qual, de tão primorosa, chegou a receber a respeitosa denominação de “Estatuto dos Condomínios”, eis que produto da lavra de um dos maiores civilistas brasileiros, Caio Mário da Silva Pereira.

Com efeito, até os presentes dias, subsistem duas correntes a esse respeito, a primeira delas afirmando que o novo Código Civil teria sim revogado por inteiro a Lei Caio Mário, restando incólume, contudo, as regras aplicáveis ao instituto das incorporações imobiliárias, uma vez que estas, diferentemente das normas de espectro condominial, não teriam recebido do código civilista a mesma atenção, a ponto de não se encontrar no corpo do códex, nenhuma regra cuidando do instituto das ditas incorporações de bens imóveis.

A segunda corrente, por seu turno, assevera que o novo Código Civil, conquanto tenha criado um capítulo próprio em seu texto voltado para a figura jurídica do condomínio edilício, em nenhum momento teria asseverado, de forma expressa, que estaria revogando a anterior legislação de regência, razão pela qual teria ocorrido, no máximo, uma derrogação, ou seja, uma revogação parcial do Estatuto dos Condomínios, restando vigentes alguns poucos dispositivos, desde que não colidentes com a mais recente legislação; esta última corrente, a seu tempo, reconhece a possibilidade de ter ocorrido uma “revogação tácita”, a qual, segundo o disposto no art. 2° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), afirma que: “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

Destarte, o nosso entendimento é o de que houve, efetivamente, no campo das normas condominiais, uma efetiva “revogação tácita”, ou seja, efetivou-se com o advento do novo Código Civil, a supressão da vigência do Estatuto dos Condomínios, em especial, por ter aquele se apresentado como absolutamente incompatível com as regras previstas pela Lei Caio Mário.

Tal conclusão decorre do fato de que foram preenchidos 3 (três) requisitos da revogação tácita, a saber: 1) a autoridade legislativa houve editar conteúdo jurídico que resultou no advento de normas incompatíveis de idêntico nível hierárquico uma fez cotejado com a lei anterior; 2) tal incompatibilidade culminou por ser reconhecida pelos órgãos jurisdicionais com relação às normas conflitantes; e 3) a antinomia em confronto se viu resolvida por um dos mais elementares critérios de solução de conflitos de normas jurídicas, mesmo o critério cronológico.  

O novo Código Civil passou, portanto, a disciplinar o condomínio edilício, organizando suas normas da seguinte forma:  

a) os artigos 1331 a 1346 (Seção I) passaram a disciplinar as disposições gerais do condomínio edilício;

b) os artigos 1347 a 1356 (Seção II) passaram a dispor sobre a gestão condominial; 

c) os artigos 1357 a 1358 (Seção III) passaram a disciplinar as formas de extinção do condomínio edilício;

d) o artigo 1358-A (Seção IV), em decorrência do advento da Lei n° 13.465 de 2017, passou a reger os condomínios de lotes; e

e) os arts. 1358-B a 1358-U, em razão do advento da Lei n° 13.777 de 2018, passaram a disciplinar o condomínio em multipropriedade.

Assim, dentre as regras inovadoras advindas em função do advento do Código Civil de 2002, e que não se faziam presentes no âmbito do Estatuto dos Condomínios, à guisa de exemplificação, podem ser citadas:  

a) a possibilidade de penalização do condômino em razão de infringência reiterada de deveres (art. 1337) por meio da aplicação de multa em até 5 (cinco) vezes o valor da quota condominial;

b) a possibilidade de penalização do condômino antissocial que demonstra, por meio de seu comportamento, incompatibilidade com as regras de convivência comunitária (art. 1337) por meio da aplicação de multa em até 10 (dez) vezes o valor da quota condominial;

c) a possibilidade de transferência de domínio da parte acessória, que integra a unidade autônoma, a outro condômino, ou a terceiro, caso assim autorize a convenção (art. 1.339, § 2º);

d) os empenhos de recursos financeiros relacionados à conservação do terraço de cobertura (art. 1.340) passa à responsabilidade daquele que fizer uso exclusivo da área;

e) de outro lado, como regra, o terraço, passa a fazer parte da área comum, exceto se a convenção dispuser em sentido oposto (art. 1331, § 5º);

f) podem ser realizadas obras de acréscimo em áreas comuns, desde que estas tenham por escopo aumentar ou facilitar o seu uso, observado o requisito numérico de dois terços dos votos dos condôminos, vedada a construção nas partes comuns suscetíveis de prejudicar o uso, por quaisquer dos condôminos, das partes comuns ou particulares (art. 1.342);

g) podem ser realizadas obras relacionadas à edificação de novas unidades ou de mais um edifício, desde que observado o requisito numérico de cem por cento dos votos dos condôminos (art. 1343);

h) torna-se possível ao síndico delegar atividades administrativas a um preposto (administradora de condomínios ou subsíndico, por exemplo) contudo, a responsabilidade do síndico segue indelegável e é inerente ao cargo (art. 1.348, § 1º e § 2º);

i) assegura-se ao condômino que vier a realizar obras necessárias o direito ao ressarcimento das despesas realizadas (art. 1341, § 4º);

j) os cessionários, os possuidores de unidades e os promitentes compradores passam a estar subordinados aos comandos normativos insertos na convenção condominial (art. 1.333);

k) torna-se possível a instituição de condomínio de lote (art. 1.358-A);

l) passa a existir um reconhecimento pelo Estado e uma definição jurídica do condomínio em multipropriedade (art. 1358-C).  

Face ao exposto, é de se evidenciar que as normas do atual Código Civil, relacionadas ao condomínio edilício, constituem as regras de maior hierarquia jurídica dentro do sistema positivo de normas, somente se subordinando à Constituição Federal, vez que a Carta Magna ocupa, nos Estados Democráticos de Direito, o ápice do ordenamento jurídico, de onde todas as outras regras devem extrair o seu próprio fundamento de validade. 

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